Retiro, o que eu digo...

Crente adora retiro.

Adolescentes crentes muito mais.

Adolescentes crentes que são membros de igrejas sisudas? Nem se fala.

Para todas as pessoas eles são ótimas oportunidades de se quebrar a rotina e dedicar mais tempo à introspecção, meditação e elevação espiritual.

Mas nem todas as pessoas vão ao retiro com esse propósito.

Só que não é a falcatrua do menino galinha e da menina periguete que me incomoda nos retiros. Esses, se não aproveitarem pra mudar de atitude, já vem com botão de autodestruição embutido.

O que realmente incomoda é a dieta espiritual sanfona de alguns crentes.

Resumindo: pessoas que ficam ansiosamente aguardando o retiro porque será uma benção, e que ficam nas nuvens depois do retiro porque foi uma benção. Não tô dizendo que sentir-se assim é errado. Você já vai entender.

Essa sensação acontece com todas as pessoas que levam o momento a sério. O efeito sanfona só se caracteriza pela volta aos velhos hábitos que o retiro "curou". Ou seja, a pessoa vai ficar ansiosa pelo próximo retiro, quando ela poderá ter uma nova epifania que sustentará sua parca espiritualidade vazia e insignificante até o próximo, e assim sucessivamente num ciclo infinito de altos e baixos.

Não é à toa que a Bíblia fala da vida cristã como uma caminhada, uma jornada, uma luta. Um processo.

O retiro, assim como qualquer outro mecanismo de edificação espiritual, deveria nos levar (e leva muitos) de um estágio a outro. Adiante, acima, em frente. Mas isso certamente não é a regra. Infelizmente.

Para quem vê de fora, o surto de santidade pós-retiro evidenciado por muitos crentes é um prato cheio para iniciar contendas e desavenças, pois o crente sanfona sobe o padrão muito rápido logo após o retiro, mas não o sustenta por tempo suficiente para que se torne um hábito. O arroubo de santidade não faz parte da vida diária.

Já ouvi pessoas argumentarem que as tentações, tensões e opções do cotidiano prejudicam a santidade e que é difícil manter o "clima de retiro" em casa.

Discordo.

Muitas pessoas que conhecem minha família e já tiveram a oportunidade de conviver conosco, sabem que nos esforçamos para que tudo que fazemos convirja para edificação nossa e de quem está perto.
O mais engraçado nisso é que por sermos assim, já fomos rotulados de carolas, fanáticos, conservadores, exagerados, metidos a santos. Adjetivos que normalmente saem da boca de uma "sanfona".

O mais triste nesse comportamento é a necessidade de diminuir o outro, de estragar o que deu certo, de avacalhar o sucesso do próximo ao invés de se esforçar pelo seu.

O carnaval é a data preferida dos crentes pra fazer retiro. E se transformou no Yom Kippur das sanfonas. Uma vez por ano eles peregrinam para algum hotel, pousada ou coisa do tipo para recarregar a bateria.

Vão pra "cabana" ter um "encontro com Deus", enquanto os "mundanos" se matam no carnaval.

Lembro de ouvir uma conversa entre duas mães na minha adolescência.

- Fulana nem te conto! Meu filho foi pular carnaval e deram nele. Voltou todo rasgado e inchado. Não sei o que fazer.
- O meu foi pro retiro da igreja. Voltou um amor, até tá me ajudando em casa...

Quando a porta se fecha, quase dava pra ver na cara da pessoa o ar de triunfo e superioridade. Uma "santidade" nazista, orgulhosa de não ser como os infiéis.

Mas a peteca cai. E a superioridade desce pelo ralo. E o Evangelho é envergonhado, vira piada.

Quando eu vou a um retiro, aproveito tudo que eu posso. Mas minha experiência lá é uma extensão do que já acontece em casa. O que aprendo, levo pro meu dia a dia.

E me vigio. Cuido pra não cair. Baixo minha crista e me preparo para enfrentar com amor e gentileza um mundo que não será gentil.

Temos que evitar os extremos. No carnaval, muitos se atiram à devassidão, ao ponto de morrerem por causa das drogas e das bebidas. Do outro lado, temos crentes que tomam "porre" espiritual e voltam pra casa completamente fora da casinha. Onde fica a sabedoria nisso?

Jesus era reconhecido por sua autoridade, sabedoria, inteligência e por suas atitudes elegantes, educadas e gentis. Elas resultavam em milagres, não em uma auréola flutuante sobre a cabeça.

Milagres que beneficiavam a todos que o cercavam, não apenas aos que o seguiam. Beneficiou até os que o perseguiam...

Lembre-se disso quando voltar a vida normal nesse momento pós-retiro. E mantenha a chama acesa para progredir, crescer, aprender, dali pra frente. Dali pra cima.

Transforme essa sanfona num instrumento de adoração.

Foi essa a resposta que eu dei pra uma pessoa que me perguntou a opinião sobre ir a retiros.

Juliano G. Leal
MARP

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