Coisas que aprendi na Igreja - Parte XVI

Essa história não foi escrita pelo Frank E. Peretti, mas bem que poderia ter sido. O cenário é bem parecido com Este Mundo Tenebroso, mas como eu não tive os mistérios sobrenaturais desvelados aos meus olhos, não vou conjeturar sobre as "variações atmosféricas" dos acontecimentos, deixando isso por conta de vocês. Como sempre, vou narrar um fato verídico que foi deliberadamente modificado para proteger os indivíduos que vivenciaram e compartilharam comigo a história. Os fatos, (situações pessoais e sentimentos) são tenebrosamente reais. Quisera que não fossem.

Nossa história tem lugar numa pacata cidadezinha do interior que tem a curiosa característica de fazer prosperar tudo que não presta em matéria de igreja. Desde muitas décadas, pessoas sérias e dedicadas ao Ensino Bíblico correto tentam fincar estacas naquelas terras, mas todas as tentativas trouxeram pouquíssimo resultado, e as únicas coisas que permanecem brotando como urtiga brava por lá, são cultos estranhos, pseudo-cristãos de qualidade questionável por procedência conhecida...

Numa dessas igrejas que se esforçam pra tentar seguir Jesus de perto, começaram a se reunir várias pessoas. Como é comum ao nascimento de várias igrejas, os cultos começam pequenos e hospedados na casa de algum membro. E enquanto era assim, as coisas iam bem.

Mas logo, o trabalho começou a crescer, e a Matrix, digo, igreja matriz não demoraria a estender seus tentáculos sobre o pequenino grupo, trazendo suas bulas institucionais e levando em troca, como de praxe, dízimos e ofertas.
De cara, os figurões da instituição perceberam que uma família talentosa estava se tornando o esteio ministerial da igrejinha. Sem perder tempo, um time muito bem preparado de doutrinadores tomou a igrejinha, e sem muita dificuldade, institucionalizou a família.

Até aqui nada demais, afinal é assim que acontece sempre não é verdade? E como a vida segue seu curso, a igrejinha agora crescendo precisa de uma nova sede, um lugar com cara de igreja e não mais uma garagem, um galpão. E as ferramentas institucionais cumprem seu papel mais uma vez, facilitando os tramites burocráticos pra que o grupinho de cristãos se torne uma igreja de fato, uma instituição reconhecida na cidade.

Sucesso novamente. As coisas prosperam, de acordo com o desenho, com a bula da estrutura, e todos estão felizes. Nasce um grupo de louvor, um grupo de oração e o momento de adoração semanal começa a ficar atraente e interessante. E as primeiras pessoas diferentes do grupo original de fundadores começam a chegar. O trabalho aumenta, as necessidades das pessoas se aprofundam. O conhecimento adquirido se torna insuficiente diante da demanda. Surge o primeiro momento crítico, e o primeiro erro. Tal como o povo de Israel quando era guiado pelos profetas e se cansou de esperar no Senhor, olha para o sistema do mundo pedindo para si um rei, a igrejinha antes mesmo de orar, espremida nas suas necessidades olha para o sistema institucional e reivindica para si um pastor.

Mas o que há de errado nisso? Por enquanto, nada. Exceto a motivação ser o desespero, e a igrejinha ter um sistema que deveria já ter enviado alguém para estar com eles e ajudar a formar lá de dentro uma liderança íntima e identificada com aquela comunidade, que entre outras coisas, tinha peculiaridades culturais bem intensas para se trabalhar.

O alto-clero envia um irmão mais velho para ajudar. Ele se esforça, ajuda como pode, mas não se ambienta na cidade e vai embora quando o rebanho começava a reconhecê-lo como uma liderança e um professor.
Cientes da situação a partir do ponto de vista do líder fracassado, o corpo de sábios doutores decide enviar jovens seminaristas das fileiras recém formadas de ministros, para um ambiente hostil e desconhecido, sem nenhum preparo prático, apenas com anos de quadro negro e biblioteca gravados lobotomicamente em suas memórias, e uma cabeça cheia de sonhos e fantasias alimentadas pelos contos de missionários, as Ilíadas e Odisseias verdadeiras de bravos heróis da fé, cuja parte bonita das histórias, não são a regra.

Catástrofe. Os primeiros seminaristas chegam e quando o trabalho começaria a dar frutos, acontece um escândalo entre alguns membros e eles não conseguem segurar o rojão. O alto escalão desce ao solo e resolve o problema. Depois da nave-mãe ir embora, eles prometem enviar um outro apascentador, e as semelhanças com o Mestre terminam aqui.
Partindo de um raciocínio ultra-simplista, eles decidem que se um casal jovem não deu conta do recado, um casal velho deve resolver o problema.

Cavocam da reserva um pastor jubilado (aposentado), com problemas de saúde e dificuldades motoras. Não é convocam, é cavocam, desenterram. E o pobre pastor se entrega de corpo e alma ao trabalho, usando a sobrevida que lhe resta para colocar as coisas em ordem. Sua experiência é enriquecedora e a igreja experimenta um período de grande aprendizado teológico. Em compensação, os jovens debandam da igreja. E o culto cai no marasmo.

Curiosamente nesse momento em que as coisas pareciam estar estagnadas e sem nenhuma perspectiva, a liderança da sede muda, assumindo um pastor com características mais contemporâneas, trazendo uma esperança de mudanças gerais, em nível institucional.
Na cidadezinha, assume um novo seminarista. Mas esse, complica a vida da igrejinha por ser extremamente ardiloso e político. Decide investir tempo e esforço em questões humanas. Usa a máquina institucional para conseguir fama e status. Traz o entretenimento pra dentro da igreja e o pior veneno aparece durante seu período de liderança. A pequena igrejinha se torna uma instituição completa, e acolhe a doutrina romana de pão e circo.

Mas não demora e o pastor consegue ser promovido a cargos de respeito dentro da instituição, e rapidamente, deixa de lado a igreja do interior, cheia de traumas, feridas abertas e fedendo a pûs com o acúmulo de anos de maus tratos nas mãos de políticos inescrupulosos e inocentes úteis.

Contudo, o Senhor não esqueceu as ovelhas, e o governo eclesiástico manda mais um casal de seminaristas para o cemitério de pastores, apelido carinhoso da cidadezinha, forjado dentro das reuniões administrativas da poderosa denominação.

Como já havia acontecido antes, o casal chega cheio de expectativa ao porto, sem perceberem que o barco dá meia volta rapidamente deixando-os lá sozinhos, como Caronte após cumprir suas tarefas com quem era deixado no Inferno.

Dedicados e destemidos, vigilantes e comprometidos, eles começam a quebrar barreiras e vencer obstáculos de uma forma inédita. O Senhor voltou. A glória foi restaurada. Tudo começa a dar certo. Os jovens voltam. A igreja cresce no ensino e na ética. Pessoas começam a encher os cultos. Aumentam os horários de reuniões. Mudam de lugar, precisam de um templo maior. Aumentam os integrantes do belo e talentoso ministério de louvor. E aumenta o barulho da igreja na cidade careta do interior. Mas os caretas também precisam de silêncio e merecem respeito. Mesmo que o barulho dos bailes seja bem mais alto, a polícia e o Ministério Público fecham a igreja.

Alguém nesse ponto deve achar que o diabo persegue essa pobre igreja. Só que como o que eu vi até agora foi pura consequência da imperícia, imprudência, negligência ou imaturidade das pessoas, eu vou deixar o diabo fora dessa. Com certeza ele se aproveitou, interferiu, trabalhou, blá-blá-blá. Mas certamente não foi o culpado.

Pra piorar a vida dos irmãozinhos, um pastor veterano da região, de uma outra denominação, que depois de décadas de discórdia, estavam conseguindo ter comunhão, morre repentinamente num acidente fatal numa colisão frontal entre dois carros.
Logo em seguida, num outro acidente, o casal de seminaristas sai gravemente ferido, mas sua filha de dois anos vai para o colo de Jesus.

Contra todas as expectativas, o casal se levanta e retoma o trabalho, cuidando inclusive de ovelhas desgarradas do rebanho do outro pastor. E começam a investir pesado em Ensino Bíblico. E então vem o golpe derradeiro. O ensino foi considerado subversivo pela liderança, e perigoso para a estabilidade da instituição. No que consistia esse ensino? Pregava o resgate de valores que existiram na fundação daquela igrejinha. Quando a contaminação ainda não fazia parte do culto. Quando eles ainda eram só um grupo de seguidores de Jesus e não uma instituição.

O rapaz, pejorativamente chamado de pastorzinho, deixou a igrejinha como seus predecessores. E sendo apenas esse "pastorzinho", não foi poupado pelo cemitério de pastores.
Onde a própria instituição, é o coveiro.

Juliano G. Leal - MRM/MARP

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