Entre o pronto e o maduro

Recentemente um amigo meu postou no Facebook uma reflexão sobre se identificar com alguns pássaros e usar certas características do comportamento deles como aprendizado. A Festa dos Tabernáculos se aproxima, e me aproveitando da ideia que brotou da poeira dos passos do meu amigo, hoje aqui, vou partir de uma reflexão que começou com as frutas, num clima de Arba Minim (as 4 espécies), sobre "o pronto e o maduro".

A necessidade dessa reflexão me ocorreu ao perceber de uns tempos pra cá a necessidade que algumas pessoas tem de estar constantemente cobrando as outras e procurando incessantemente nas outras pessoas referência e afirmação, e rotulando e desfazendo daqueles que não se ajustam aos seus padrões em nome de uma suposta coerência entre palavras e ações.

Gosto de citar uma historinha que escutei na adolescência sobre Ghandi e o açúcar. E sempre que falo dessa historinha, as pessoas se agarram ao lado da coerência fabulosa de Gandhi em não querer ensinar o que ele não praticava. Mas há um aspecto muito ignorado nessa historinha. Acredito que algumas pessoas até sejam inteligentes o suficiente para percebê-lo, mas como sempre, como diria o apóstolo Paulo, inaptos para admiti-lo, que é o fator tempo. Ghandi estava ensinando como fazia ao ser abordado pela mãe do menino que lhe pediu que orientasse seu filho a não consumir açúcar. Como resposta, o mahatma pediu um tempo. Duas semanas. A história não nos diz que ele parou completamente de ensinar ou trabalhar por duas semanas. A vida seguiu, mas durante estas semanas ele foi amadurecer a questão do açúcar.

Tempo...
Eu conjeturo o que pode ter acontecido nesse espaço de tempo. Talvez as pessoas próximas dele tenham começado a perguntar o porquê de uma mudança de hábito repentina quando ao lhe servir um alimento doce ele recusasse educadamente. Havia um processo acontecendo.

Ao que tudo indica, pela atitude de Ghandi, ele já sabia que comer açúcar poderia não ser tão bom. Mas o pedido daquela senhora reforçou sua disposição. Passadas as duas semanas ele retorna e declara ao menino simplesmente a frase "não coma açúcar". Foi quando o próprio Gandhi tinha acabado de amadurecer, mas a mesma pessoa que o motivou passou em um piscar de olhos a ser um crítico. Teve a audácia de questionar a pessoa que até um segundo atrás não questionaria, de forma bem rude: "Porque pediu duas semanas? Se só ia dizer isso, podia ter dito antes!"

Quando as pessoas não fazem o quê esperamos temos a tendência de achar que eles estão contra nós. Hoje em dia existe um pernicioso sentimento de competição entre todos, e uma única atitude ou opinião fora do "previsto" soa como um desafio para um duelo, ou em certos casos, uma legítima declaração de guerra!

Estamos tendo um comportamento "verde" no mau sentido. Essa precipitação é bem "insustentável", mas é derivada diretamente da nova cultura do mundo em que tudo precisa ser pra ontem. Não sabemos mais esperar. Queremos pessoas perfeitas feitas em série. Como se o caráter das pessoas pudesse ser incubado numa estufa pra crescer mais rápido ou o que o valha. Isso é verde e egoísta, como o Grinch!

Infelizmente algumas pessoas acreditam que a Igreja seja essa estufa e que o Senhor tem obrigação de abençoá-los com a sabedoria de Salomão para que eles se tornem supercrentes num piscar de olhos (ou num toque de mão de algum ungido, ou num mergulho, ou num tombo santo), e dali em diante saiam raios de luz das mãos, fogo dos olhos, e azeite ungido dos poros...

Mas não é assim. Jesus ensinou que existe um processo, uma maturação, e porque não dizer, uma adaptação. Como no meio científico-acadêmico, algo que é matematicamente comprovado mas não tem condições de ser testado porque nos faltam os instrumentos não deixa de estar correto, na Palavra do Senhor acontece o mesmo. O que está escrito pode e deve ser ensinado, ainda que quem ensina não tenha chegado à plenitude daquele ensino. Isso não é incoerência, bem pelo contrário, é humildade. Einstein não viu todas as suas teorias testadas, algumas só começaram a ser testadas hoje, o que não o impediu de estarem corretas.

Paulo fez isso quando escreveu suas cartas, especificamente, assume isso diante dos Filipenses falando justamente sobre maturidade. Um bebê não consegue trabalhar como um adulto, mas no geral é anatomicamente igual. O bebê está pronto para viver, mas não está apto para trabalhar, precisa amadurecer, crescer. Ele vai ficar deitado parado esperando os 18 anos chegarem? Não! Ele vai brincar, correr, se ferir, estudar, ver os amigos e familiares crescendo também, os mais velhos morrerem, o mundo vivendo e girando até que ele se encaixe em tudo isso. Durante esse período, muitos estarão aprendendo com ele e ensinando algo à ele, numa simbiose perfeita, criada no coração do Eterno para ser assim, pois somos membros uns dos outros criados para sermos um Nele.

Da mesma forma uma fruta verde está pronta, mas ainda não terminou o processo de crescimento. A maioria das frutas são mais duras e amargas quando estão verdes, mas nem por isso deixam de servir de alimento numa situação extrema.

Quando alguém se dispõe a ensinar suas descobertas com humildade, eu logo presto atenção ao que esta pessoa está compartilhando e faço como os cristãos de Beréia, verificando se está alinhado com as escrituras. Não desprezo o ensino por causa de quem está ensinando. Fazendo isso, eu posso perder uma ótima informação, que talvez não se repita.

Nem sempre temos pessoas com uma paciência de Ghandi para responder uma grosseria com o motivo verdadeiro por trás de sua postura, mas quando isso acontece, o crítico que julgou a atitude sem conhecimento profundo de causa, é exposto ao ridículo. Não pela vontade de quem respondeu, mas pela força do fato. Pelo contraste entre aquele que quer reter o ensino e ser ensinado e aquele que deseja respostas enlatadas para suas perguntas. E vamos além, algumas dessas pessoas saem de casa com suas vasilhas quadradas e se a resposta não se encaixar nas suas vasilhas, elas abandonam a resposta ao invés de trocar a vasilha...
Goiaba Bichada
Talvez essas pessoas também precisem amadurecer. Mas será que querem? Será que não estão tão bem ajustadas ao seus cubos metodológicos doutrinários? Quando uma resposta traz à essas pessoas um caos temporário, muitas delas simplesmente não resiste. O choque é tão grande que elas pensam que vai ser pra sempre. Uma fruta bichada! E olha que até as larvas "amadurecem" e seguem a vida...

Paulo arremata seu conselho aos Filipenses falando como se comportar nesse caos:

"Quero conhecer a Cristo, ao poder da sua ressurreição e à participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte para, de alguma forma, alcançar a ressurreição dentre os mortos. Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado por Cristo Jesus.

Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus.

Todos nós que alcançamos a maturidade devemos ver as coisas dessa forma, e se em algum aspecto vocês pensam de modo diferente, isso também Deus lhes esclarecerá. Tão-somente vivamos de acordo com o que já alcançamos.

Irmãos, sigam unidos o meu exemplo e observem os que vivem de acordo com o padrão que lhes apresentamos. Pois, como já lhes disse repetidas vezes, e agora repito com lágrimas, há muitos que vivem como inimigos da cruz de Cristo. Quanto a estes, o seu destino é a perdição, o seu deus é o estômago e têm orgulho do que é vergonhoso; eles só pensam nas coisas terrenas.

A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde esperamos ansiosamente um Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Pelo poder que o capacita a colocar todas as coisas debaixo do seu domínio, ele transformará os nossos corpos humilhados, para serem semelhantes ao seu corpo glorioso."

Verde, mas escolhido para ser Rei!
Em nenhum momento Paulo diz que ele é perfeito, mas o tempo todo reafirma suas imperfeições e inabilidades diante de uma mudança de paradigmas tão grande e radical que é sua carreira em Cristo. E assim, imperfeito, falho, se espremendo no caos entre a vida abundante em Cristo e suas heranças filosóficas, ele humildemente nos exorta, nos ensina e nos consola com seu esforço e humildade de quem já está pronto, mas como todos nós, ainda estava amadurecendo.

Um verde útil e sustentável.

Até que a Glória da incorruptibilidade, a maturidade perfeita no Messias, nos deixe aptos para sermos colhidos e ajuntados nos cestos do Cordeiro na sua gloriosa vinda. Com ou sem açúcar!

Juliano G. Leal
MARP/MRM

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