Peço perdão

Os últimos dias tem sido tensos. Houve um levante de incitação ao ódio nas redes sociais e nas igrejas que me enchem de pavor. Receio. Indignação. Mas o pior de tudo, vergonha.

Por causa de algo tão banal como uma novela, muitos ditos cristãos tem se tornado verdadeiros terroristas. Com um discurso sectarista, supremo, auto-justificado, iniciaram uma Cruzada contra os espíritas e devotos das religiões afro-brasileiras.

São Jorge
Apesar de ser um discurso vazio e hipócrita, o que me chamou mais atenção foi justamente o tom de "guerra santa", tão criticado pelos crentes, principalmente os evangélicos pentecostais, como um comportamento predominantemente muçulmano.

Mesmo que rotular todos os muçulmanos como terroristas também seja um hábito evangélico reprovável e ridículo, vou aqui me deter no que ocorre desde o final de semana com o fim de Avenida Brasil e a estreia de Salve Jorge.


Começaram a circular nas redes sociais mensagens de boicote à novela. Até aí tudo bem. Novelas não são minha forma de entretenimento favorita, mas admito que já assisti uma ou outra. Assisti a versão original do Carrossel, Chispita, um bom pedaço de "A Vida da Gente" por puro bairrismo, e uma outra que tinha um macaco que pintava quadros (que eu nunca lembro o nome), uma que tinha uma menininha (cuja atriz sumiu da TV) que um velho chamava de "Laleska", entre outros fragmentos perdidos na minha memória de entretenimento.

Assisti várias minisséries, acho elas muito boas, principalmente as que são fiéis a fatos históricos. Algumas como "Decadência", deveriam ser reprisadas, são por demais atuais. Meu bairrismo gritante também me fará mencionar "Incidente em Antares" e "A Casa das Sete Mulheres", essa última, possuo em DVD.

Do mesmo jeito que eu sou muito cinéfilo e gosto muito de seriados (que no fundo não são tão diferentes das novelas), aceito bem o fato de as pessoas gostarem de novelas. Mas ainda assim, não entendo onde elas (ou qualquer outro assunto) sejam motivo para pessoas que se declaram cristãs, saírem pregando ódio e preconceito.

Não estou exagerando. Se as mensagens trouxessem um conteúdo de manifestação individual, escrito de forma subjetiva, seria apenas um posicionamento, completamente legal, amparado por todos os instrumentos disponíveis da legislação. Contudo, o que está se vendo, é uma enxurrada de manifestações que ferem frontalmente princípios Cristãos e que são inclusive crimes.

Num dos cartazes que circula no Facebook, após uma "explicação acadêmica" sobre tudo que está "oculto" na arte usada na abertura e título da novela, que revela que a imagem possui "símbolos de adoração a entidades espíritas (representando) a união dos orixás com o ser humano", o autor faz questão de ameaçar as pessoas dizendo que "se sua vida começar a ser amaldiçoada por causa desse lixo, não reclama que deus não te avisou".

Essa abordagem ofende as outras crenças. Eu me pergunto se os evangélicos ficariam felizes de serem chamados de lixo por quem não crê no que eles creem. Também já tenho a resposta, pois por chamar abertamente de hipócritas os crentes que assistiram Avenida Brasil e agora querem boicotar Salve Jorge, cheguei perto de um linchamento virtual.

A mensagem reproduzida acima também quebra um por um os parágrafos do artigo 5º da constituição, tão amplamente berrados pelo Silas Malafaia para garantir os direitos dos evangélicos, e tripudiados pelos mesmos evangélicos quando isso se aplica aos espíritas.

Reza o parágrafo II que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;" Ao que parece, o autor do quadrinho esqueceu disso, ameaçando com maldições quem não boicotar a novela. E o artigo VI que trata da liberdade religiosa, que você já deve ter decorado ao som da voz do Malafaia, não impediu o autor do quadrinho de chamar a novela e a doutrina nela exposta de "lixo".
Na verdade creio que isso foi um mero abuso dos artigos IV e IX que falam respectivamente de liberdade de pensamento e expressão. Hábito comum entre fanáticos religiosos...

Na mesma onda, surgiram imagens de Ogum e São Jorge com sinal de proibido em cima com a palavra boicote "pichada", dando o recado dos imaturos pichadores de mural social. Fora as manifestações cheias de razão, personalizadas ao redor dessas plaquetas com os motes: "O Face é meu, posto o que eu quiser" e equivalentes.

Considerando que o Facebook, Twitter e as outras redes fossem um lugar real, se postássemos um cartaz chamando a propriedade intelectual de outrem e o grupo que isso representa de "lixo", não seria uma coisa bem recebida e certamente não sairia barato pro ofensor...

Por isso, me baseando nos ensinos e exemplos de Jesus, me sinto compelido a me colocar no lugar do outro e imaginar como seria ruim ser tratado dessa forma. E pedir perdão.

Reafirmo aqui que eu não creio, não compactuo, não estimulo e reprovo a doutrina espírita e afro-brasileira. Mas isso é uma posição pessoal e ministerial, que não me dá o direito de ofender ou desrespeitar aqueles que creem. Mas peço perdão para todos os espíritas pelos más ações, mau exemplo e mau testemunho dos meus irmãos em Cristo. Espero que vocês possam olhar pra eles como Jesus olhou para os que o crucificavam dizendo: "Pai perdoa-os, pois eles não sabem o que fazem."

Jesus nos ordenou amar os nossos inimigos e orarmos pelos que nos perseguissem. Peço perdão novamente, pois as doutrinas das igrejas rotulam as pessoas e transformam simples pecadores (que todos somos, segundo a Bíblia) em hereges, inimigos da fé, inimigos da doutrina e inimigos uns dos outros.

Peço perdão, pois não toleramos a fé dos outros mas toleramos dentro de nossas igrejas, doutrinas racistas, antissemitas, nazistas e intolerantes nos mais diversos aspectos. E nada disso é Cristão, muito menos bíblico.

Peço perdão por ser tão pequeno, e não ter uma voz mais forte para poder levar o evangelho puro e simples de Jesus aos meus amigos de outras crenças, para que exercendo sua plena liberdade, pensem e escolham por si mesmos, se somos ou não dignos de sua amizade, e assim poderem ouvir o que tenho a dizer sobre a Palavra.

E peço também ajuda e compreensão, para que vocês saibam que existe uma pequena parcela de Cristãos que não se sente feliz em tripudiar sobre a fé alheia, e que deseja sinceramente respeitar para ser respeitada na mesma medida. Eu mesmo já fui bastante intolerante, mas Jesus tem me transformado.

Me comprometo a continuar lutando por uma postura mais educada da parte dos Cristãos, e menos fanática, assim como Jesus, sendo enérgico com os de dentro e misericordioso com os de fora.

Por último, oro para que o Senhor toque nos corações dos que realmente estão abertos à Ele, e mostre que não há outra forma de se pregar o Evangelho que não seja através do amor e das boas obras.

No Amor do Messias,

Juliano G. Leal
MARP/MRM

Arte do MARP postada nas redes sociais sobre o assunto. Use à vontade.

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