Ralouín Tupiniquim

Como já vimos por aqui outras vezes, diversas festas e feriados têm uma origem bonitinha, tendo seu formato alterado ao longo dos anos. Muitas delas, mesmo não tendo nada a ver com a Palavra, carregam em si algum ensino moral e humano que sempre pode ser válido para reflexão para quem tem olhos puros e iluminados (Mateus 6:22,23; Tito 1:15; Romanos 14:22). Outras, por mais cheias de boas intenções que sejam, só servem como exemplo do que não se deve fazer. São vazias de significado e quase sempre trazem lixo moral e espiritual para nossas vidas. Uma completa perda de tempo.

(Quem é leitor assíduo do BRP já acostumou com nosso jeito de expor as coisas em ponto e contraponto para provocar reflexão, sempre deixando a decisão, o posicionamento e ação nas mãos de quem lê. Expomos nossa maneira de ver, iniciamos o debate e daí em diante o papo é com a consciência de cada um. Sempre deixando claro que a posição exposta nos artigos é de quem escreveu, e compartilhamos com o intuito de fazer pensar e nunca de fazer doutrina. Você escolhe quais elementos formam sua opinião. Nós estamos aqui expondo a nossa. Lê quem quer, aproveita quem gosta.)

Achei esse parêntesis necessário, pois essa é uma daquelas postagens "sal na ferida". Vamos mexer numa festa popular, com muitos doces e travessuras, arraigada na nossa cultura, com um nome que tem conotação cristã, mas pra variar, é sincrética, ficando repleta de misticismo inútil, sendo mais uma daquelas misturas bizarras que não é nem Pagã, nem Cristã. Esse híbrido estranho ofende tanto um lado, quanto o outro.

Nos últimos tempos, tenho visto em todos os sites sobre Paganismo (Wicca, Druidismo, Neo-paganismo, Greco-romano ou Nórdico) que visito como fonte de informação e pesquisa, um movimento pelo resgate de raízes! É até divertido ler as reportagens e perceber que, assim como nós, eles também querem um "Paganismo Puro e Simples", ou seja, estes grupos desejam praticar seu culto sem os acréscimos (em sua maioria católicos) que se entremearam com suas celebrações. Não por motivos acéticos ou por uma pureza social que evoca superioridade, mas simplesmente por uma questão de identidade com suas raízes e origens, fidelidade ao seu legado e seriedade em sua espiritualidade.

Ao descobrir que os Pagãos querem que eu fique com o meu Cristianismo pra mim, de preferência sem nada que venha deles, percebi que justamente aqueles que são condenados pelos que se dizem "igreja", estão pregando uma mensagem mais coerente dos que os que se julgam donos da verdade. De novo...

Seguindo essa lógica, para entendermos onde estamos hoje, precisamos entender de onde veio a celebração e onde aconteceu a mistura pra podermos por as coisas no lugar.

As festividades apelidadas de juninas tiveram origem na Europa e são festas completamente pagãs. Ao contrário de outras festividades bíblicas que coincidem com festividades pagãs e foram sincretizadas pelo papado por conveniência, essas não coincidiam com nada e foram profanadas deliberadamente para forçar a assimilação do culto imperial romano.

A comemoração pré-católica era o Solstício de Verão, chamado também de Litha na tradição wiccana, o dia que marca o início do verão no hemisfério norte, no dia 21 de Junho. Ainda hoje na Suécia essa é uma festa de suma importância, sendo considerado por muitos o maior feriado do ano, quando o dia é mais longo do que em qualquer outra data, com sol brilhando no céu por mais de 18 horas!

Algumas curiosidades interessantes cercam essa celebração, como a dança ao redor do mastro e o uso de fitas coloridas, flores e muita comida. Era algo tão popular na Europa antiga que muitos dos círculos de pedra, como o Stonehenge, e outros monumentos estão alinhados com o nascer do sol justamente nessa data.

Litha é uma continuação festiva de Beltane, o Festival do Fogo, que acontece em 1º de maio no hemisfério norte. Como já explicado aqui no BRP outras vezes, as festas pagãs obedecem um ciclo sazonal, ou seja, estão hemisfericamente opostas de acordo com a Roda do Ano. Assim, as festas de verão são comemoradas agora apenas no hemisfério norte, enquanto outra festa acontece no hemisfério sul. Por exemplo, Beltane em 1º de maio lá, e Halloween aqui. 21 de junho, Litha lá, Yule (Natal Pagão) aqui.

Mas como o povo daqui comemora a festa sincretizada (no Século VI) desde 1500, não faz nem ideia da sua origem. O mastro dessa festa é erguido em Beltane e simboliza o "poder fecundador" do deus cornífero, e os rituais de fertilidade usam elementos ilustrativos desse poder. Em Beltane era acesa a fogueira que faz jus ao cognome da festa, e se cozinhavam bolos em honra ao deus e a deusa. Uma fatia desses bolos era escurecida com carvão antes de ser distribuída na festa. Quem pegasse a fatia preta era escolhido para ser oferecido como sacrifício, lançado vivo dentro da fogueira.

A fogueira reaparece em Litha e é usada para reciclar a magia do ano, queimando-se nela os amuletos do ano anterior. Também vem daqui o costume de pular a fogueira, atitude essa que simboliza a queima das energias negativas e/ou contrárias à dos que pulam. Mas não foi só a festa junina que pegou a fogueira emprestada, tem uns 318 pastores por aí que também são chegados numa fogueira...

Agora, que já vimos um pouco do simbolismo original, vamos descobrir algumas coisas sobre as alegações cristãs dessa festa.

A cultura popular ensina que essa festa é em honra a São João Batista, que segundo as lendas católicas teria nascido em 24 de Junho. E que a fogueira era um acordo entre Maria e Isabel, de que Isabel avisaria sua prima com sinal de fumaça e uma boneca pendurada num mastro pra avisar o nascimento de João.

Considerando a linhagem de Zacarias, marido de Isabel e pai de João Batista, é ridículo pensar que um sacerdote, oficiante do Templo, teria uma mulher tão incauta ou sovina para ser capaz de trocar o eficiente, acessível e conveniente serviço de um mensageiro por um exercício bizarro e desproporcional para uma mulher convalescente! Fora o fato de a Torah ser muito clara no que diz respeito às mulheres no pós-parto serem ritualmente impuras e tornarem impuro tudo quanto tocarem por sete dias, e proibidas de tocar nas coisas sagradas e de irem ao templo por 33 dias.

Mas se eu quiser me ater puramente à Bíblia, Lucas 1:65 afirma expressamente que o fato virou notícia...

(Fora o Gabriel que andava pra cima e pra baixo nesses dias aí... Quer mensageiro melhor? "puf" "Oi Maria, João nasceu!" "puf" Rápido e prático.)

Só para arrematar de vez, a Bíblia fala (Lucas 1) que Maria foi visitar Isabel quando Isabel estava no sexto mês de gestação e ficou três meses com ela. Onde Maria estava quando João nasceu? Muito provavelmente ajudando a prima a ter o bebê! Me diz pra que raios precisaria sinal de fumaça!!!

Ainda sendo bíblico, Zacarias ministrava no turno de Abias (Lucas 1:5-8). Davi estabeleceu um padrão de revezamento em grupos ministrando 24 horas cada uma, começando no primeiro mês. As fontes históricas nos dizem que o revezamento acontecia semanalmente durante seis meses para então começar a se repetir.
Desse jeito, o grupo de Abias ministraria duas vezes por ano.

Como cada grupo tinha uma semana, o grupo de Abias sendo o oitavo (I Crônicas 24:10) logicamente ministraria na oitava semana.

Ora, se o calendário bíblico começa na Páscoa, a oitava semana é um mês depois. Zacarias ministraria uma vez entre o segundo e o terceiro mês, e outra entre o oitavo e o nono, considerando as oscilações do calendário. Lucas nos diz que Isabel concebeu logo depois de Zacarias voltar pra casa. Guardando as restrições conjugais da Torah, Isabel concebe no terceiro ou no nono mês bíblico, ou seja, por volta de Junho ou Dezembro. Assim João teria que nascer em Março ou Setembro, jamais em Junho!

Adicione a isso a afirmação de Gabriel de que João viria "no espírito e no poder de Elias" (Lucas 1:17). Qual é a festa em que o povo de Israel deixa uma cadeira vazia esperando por Elias na esperança do cumprimento da profecia de Malaquias? A resposta é Páscoa. E essa evidência profética é confirmada pelo próprio Jesus quando diz que ele era "o Elias que havia de vir".

Sim podemos afirmar que João nasceu na Páscoa. Entre Março e Abril. Consequentemente, Jesus nasce seis meses depois, entre Setembro e Outubro, em Tabernáculos. Digo entre, pois o calendário bíblico oscila em relação ao calendário comum em torno de duas semanas para mais ou para menos.

Então de onde saiu a data de 24 de Junho? Simples, são seis meses contados retroativamente de 25 DE DEZEMBRO!

Até agora vimos que essa festa é uma profanação de Litha e que também não tem nada a ver com o nascimento de João Batista.

Acontece que a festa não se resume a ele. Pedro e Antônio também são festejados, mas isso são adições muito mais recentes, meramente comerciais, apesar de os pãezinhos de Santo Antônio serem filhotes dos bolos de Beltane.

O que realmente surpreende nessa festa é o teor infantil dela. Assim como o halloween americano, é uma festa muito badalada entre as crianças, principalmente pelo que eu já citei lá em cima, as gostosuras e as travessuras. Mas o título dessa postagem foi motivado pelo comportamento dos adultos nessas festas.

Ao contrário dos pagãos, dos cristãos e até dos católicos devotos nas outras festas, os adeptos dessa festividade perdem completamente o respeito e a reverência pelos seus objetos de veneração e culto. O rojões e foguetes são supostamente para "acordar" São João, que estaria dormindo de propósito para resistir a tentação de cair na farra.

Me diga se o maior de todos os profetas se prestaria a esse papelão?

Outra bizarrice, é que dizem (e fazem) que enterrar ou mergulhar de cabeça na água; amarrar pelos pés ou vedar a boca e os olhos com fita crepe; enfiar numa fronha ou enrolar numa toalha e mergulhar num riacho; atar com roupas íntimas ou trancar numa caixa ou num quarto escuro, entre outras coisas, uma imagem de Santo Antônio, garante casamento ao "torturador" do santo. Não vou comentar...

Algo que percebi recentemente, é que uma música do Tião Macalé, muito "nojenta" (e velha) popularizada pelo Faustão (que narra as aventuras eróticas de um mulherengo chamado Ricardão, que justamente "pega" a esposa de um cara chamado João) é uma paródia direta à música tradicional "São João, São João, acende a fogueira no meu coração." Às vezes ser músico nos cobra um preço alto, essas musiquinhas que grudam no cérebro e acho que não saem nem com lobotomia...

Enfim, creio ter ilustrado a completa desconexão com algo bíblico, relevante e sagrado para um verdadeiro cristão nessa festa. Que também está distante do culto à natureza e aos elementos tão valorizado pelos pagãos. Como afirmei de cara, vazia e sem nexo.

Uma coisa tão sem pé nem cabeça dessas, é até um elogio chamar de Ralouín Tupiniquim.

Quer ir pro arraiá, vá. Quer comer pipoca, coma. Quer comer rapadura, pinhão e tomar quentão, faça. Se você acha que no geral não tem nada demais nisso, comemore então. Mas faz muito mais sentido dizer que tá comemorando uma festa caipira, por exemplo, do que vincular isso com o João, Pedro, Antônio ou Litha, e ainda desrespeitar aqueles que realmente se importam com isso.

Não comemoro e não concordo com muitas coisas pagãs e católicas, mas não é por isso que vou sair por aí avacalhando as coisas deles.

Acima de qualquer festa ou rito, o respeito é sagrado. E um cristão é respeitado porque respeita, não porque exige respeito.

Só pra jogar a pá de cal, creio que a reverência de Litha seria mais convidativa para a manifestação da presença de Jesus, do que um ambiente deliberadamente esculachado como esse sincrético. Conclua disso o que quiser.



Juliano G. Leal
MARP/MRM

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