Desigrejados X Rebeldes

Faz uns 15 dias que venho refletindo sobre esse tema e observando diversas posturas, opiniões e comentários soltos sobre esse assunto. E algo que me assustou em alguns desses comentários é a crescente glamurização dos desigrejados.

Já está bem claro pra maioria dos cristãos que sabem do que eu estou falando que desigrejados não são desviados.

Pra quem não é íntimo desse neologismo, explico. É uma expressão criada para designar as pessoas que não estão em igreja nenhuma, mas continuam se identificando como cristãs praticantes. Já o termo "desviado" seria empregado naqueles que saíram da igreja por abandonar a fé cristã.

Antes de prosseguir quero esclarecer que a Bíblia não abre a possibilidade de um "desvio". Ou é ou não é. Ou é fiel ou é apóstata. Ou é praticante ou abandonou completamente. Esse negócio de desviado é uma fábula evangélica. Quem realmente se comprometeu com Jesus e tem uma aliança com Ele não se desvia jamais. Podem vir momentos de luta e até de distanciamento das práticas convencionais de culto, mas não existe essa coisa de desviado. Se saiu, tá fora. Pra consertar vai ter que começar do zero e ainda assim, Paulo declara que apostasia não tem cura. Quem blasfema e renega Jesus, não tem volta.

Mas então o apóstata e o rebelde são iguais?

Também não. A Palavra fala da rebelião como consequência da desobediência. E aqui que eu acho que - graças a essas manias de inventarem termos pra rotular comportamentos - começou a confusão toda.

A Bíblia compara rebelião com feitiçaria por ser um ato de independência completa de Deus. Uma declaração de "sei me virar, não preciso de ajuda e não preciso de Ti". Isso pode acontecer por um tempo e a pessoa acabar percebendo que errou, se arrepender e voltar atrás.
Já a apostasia se caracteriza por um desejo de destruir Deus e tudo que lhe diz respeito, mesmo depois de ter certeza de um relacionamento com Ele.
Há uma diferença grande entre:
a) sair sem pagar ou dizer que a comida estava ruim
b) destruir o restaurante, matar o dono e os funcionários e ainda ameaçar quem tenta impedir isso, após ter comido de graça a vida toda uma comida comprovadamente boa.

Estou distinguindo da apostasia, mas não estou minimizando a rebeldia. Isso continua sendo pecado.

A rebeldia é quase sempre egocêntrica. Brota de uma insatisfação com uma determinada coisa e provoca um desejo de mudança. Até aqui ainda é indignação. Se torna rebeldia quando a alternativa oferecida pelo indignado é comprovadamente ineficaz e ele permanece contra a autoridade.
Quando uma alternativa brota da indignação e traz a justiça e o Reino de Deus sobre a realidade, isso é transformação.

A rebeldia diz "eu não quero assim, porque eu não gosto e dane-se o resto". A transformação busca o melhor pra todos, inclusive o rebelde.

Agora, o que tenho visto é uma cambada de rebeldes disfarçados de "desigrejados". Campeões das desculpas piedosas e autoafirmativas, se escondem por trás de novos gurus dos nossos dias para fugirem do compromisso mútuo que consolida os laços do Corpo de Cristo na comunhão.

Num mundo de possibilidades e num país excessivamente livre como o Brasil, ser desigrejado é uma falácia!
É a desculpa mais esfarrapada que existe. Desigrejados são os cristãos perseguidos da Síria que tiveram suas casas e igrejas destruídas e ficaram à deriva, sem ter um grupo com quem conviver e que tiveram que correr pela própria vida para não serem mortos pelos extremistas contrários à fé Cristã.

Ficando claro o emprego dessa expressão no contexto social de estar ligado a um grupo. Se quisermos ser mais radicais, a Igreja de Jesus é cada um de nós. Logo, se eu sou igreja, ninguém pode tirar a igreja de mim. Dessa forma, não existiria desigrejado.

Contudo, usando essa teoria do parágrafo anterior, de que a igreja não sai de mim, os rebeldes tem tido uma desculpa para se manterem isolados da comunhão, fomentando uma vida cristã meia-boca, remoendo e acumulando amarguras e fugindo do confronto com suas piores mazelas.

A diferença básica entre um rebelde e um "desigrejado" é que o desigrejado não vai responder por esse rótulo e nem se importar com isso. Ele vai procurar o mais rápido possível estar em comunhão com alguém de algum jeito ao invés de ficar inventando desculpas. Se ele não se encaixar num grupo, procura outro. Se não der certo em nenhum, fica entre amigos, evangeliza, ajuda os pobres, mobiliza ajuda e faz nascer vida onde futuramente pode vir a existir um novo grupo, onde haverá comunhão.

O rebelde sempre vai dar uma desculpa pra permanecer isolado. "Não preciso ir à igreja pra ser crente"; "estou dando um tempo pra ver se Deus fala comigo"; "existe o tempo de se afastar"; "ninguém me visitou, daí não fui mais"; "o pastor nunca tem tempo"; "o irmão passou na frente da minha casa e não deu oi"; e a mais venenosa "só estão interessados no meu dízimo", que infelizmente é verdade na mesma proporção em que é desculpa esfarrapada.

O cristão sem grupo por um período de tempo é como uma pessoa que espera o verão pra comer sorvete. O rebelde come sorvete na rua, num frio de -2ºC só porque os outros estão tomando chocolate quente. Nem é porque é bom ou porque ele gosta. É só pra ser espontaneamente do contra ou porque alguém disse que no inverno é melhor chocolate quente.

Ele esquece, que até o sorvete precisa de liga e de um recipiente para ser consumido. Que sem pote ou sem casquinha, mesmo no frio o sorvete derrete e vai fora.

O Corpo serve para conservar e proteger o indivíduo. Cada um de nós é Igreja. Mas a Igreja se manifesta plenamente no Corpo.

Pare de inventar desculpas e conviva com um grupo. Não minta pra si mesmo. Faça pequenas reuniões em família, com amigos. Entre dois ou três já é um começo. Não precisa ser um culto com louvor e pregação. Um tempo pra conversar descontraidamente sobre as Escrituras, ouvindo louvores, assistindo algo que edifica, já é comunhão.

Ou fique aí gelando e derretendo isolado num canto. Mas lembre-se, por mais que um sorvete expresso de chocolate seja delicioso, se for visto de longe sem a casquinha, vai parecer algo bem nojento...


Juliano G. Leal
MARP

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